3.2.07
Nova Iorque, EUA, 1946
© Elliott Erwitt / MAGNUM PHOTOS

O espelho devolvia confiança a Maggie. Via-se bela. Mas a contemplação ia além da imagem, submergia no interior, atravessava a razão, e instalava-se na alma. Sentia-se acima dos demais enquanto ego. "Cada qual toma a presunção e a água benta que quiser", diria a sua avó, dama de porte, se ainda estivesse entre os que respiram.

A vaidade de Maggie ficava enclausurada em si. Raro a expunha. Era das que, entre paredes, podia acompanhar aos berros os vinis de Satchmo, despudorada, mas fitava o chão ao atravessar os passeios nova-iorquinos, com pavor do eye-contact. O culto da personalidade era praticado a solo, por Maggie. Sempre dera esgar de escárnio aos que emanavam vaidade mas que, frente ao espelho, não reflectiam mais que aparências.

O desconforto social de Maggie invadia o seu território, local de culto, à média de um Domingo por mês. A família irrompia casa dentro e apenas sossegava envolta à mesa de almoço. Maggie suspirava na iminência de Jeff surgir de rolleiflex em punho, a retratar todo o clã. Não estava para aquilo. Não aguentava a pose enquanto o fotógrafo perseguia o enquadramento das telas que vira em Paris, antes da grande guerra. Para mais, Maggie nunca compreendera o conceito de espelho com memória, apontado a essa caixa que tudo objectiva. Acreditava no mito, recém-secular, de que a fotografia roubava a alma ao retratado. “Foto só da cabeça para baixo. E quanto mais para baixo melhor!”, pensava.

Os pares nunca perceberam a fobia imagética de Maggie. De resto, era incompreendida na maior parte dos pranteios e devaneios. Sentia que apenas aquele ser tosco, com quem partilhava passeios e aconchegos, a entendia. O que, ao comum dos mortais, também era visto com estranheza, tendo em conta os caminhos antagónicos trilhados algures na evolução animal.

O dia da célebre foto foi excepção à regra. Maggie deixou-se retratar a pleno corpo. Vestiu-se a rigor e tudo. Só não subiu a saltos altos, como a dona companheira, que a condição de canídeo não lhe concedia tais voos. De resto, Maggie tinha vertigens.
 
post(o) por MF às 19:03